O médico Drauzio Varella, em imagem captada num dos vídeos que publica em seu canal no YouTube
Médico
mais popular do Brasil, conhecido por quadros na televisão, vídeos em
redes sociais e best-sellers como Estação Carandiru, Drauzio Varella é
categórico quando o assunto é a interrupção de gestações. "O aborto já é livre no Brasil. É só ter dinheiro para fazer em condições até razoáveis. Todo o resto é falsidade. Todo o resto é hipocrisia."
Em
entrevista por telefone, Varella critica qualquer enfoque religioso
sobre o tema -- que voltou ao noticiário junto à epidemia de zika vírus e
aos recordes em notificações de microcefalia -- e afirma que o cerne da
discussão não está na moralidade, mas na desigualdade brasileira.
"Ninguém
pode se considerar dono da palavra de Deus, intermediário entre deuses e
seres humanos, para dizer o que todos devem fazer", diz. "Muitos religiosos pregam que o aborto não é certo. Se não está de acordo, não faça, mas não imponha sua vontade aos outros."
Como
a BBC Brasil revelou na última quinta-feira, uma ação que pede a
descriminalização do aborto em casos comprovados desta má-formação deve
chegar ao Supremo Tribunal Federal, nos próximos dois meses. Segundo a
OMS (Organização Mundial da Saúde), uma brasileira morre a cada dois
dias por conta de procedimentos mal feitos e um milhão de abortos
clandestinos seriam feitos no país todos os anos.
"A mulher rica faz normalmente e nunca acontece nada. Já viu alguma ser presa por isso? Agora, a mulher pobre, a mulher da favela, essa engrossa estatísticas. Essa morre."
Também
segundo a OMS, cerca de 25 países já registram casos de zika. Apenas
Brasil e Polinésia Francesa, entretanto, têm dados comprovando o aumento
de casos de microcefalia em recém-nascidos.
Varella
diz não ter opinião formada sobre o aborto neste caso específico. "Na
microcefalia, o diagnóstico definitivo é feito em geral próximo ao 3º
trimestre. Você pega um feto aos sete meses e ele está quase nascendo",
diz. "Mas é lógico que eu respeito (qualquer decisão)."
"O importante é dar liberdade aos que pensam diferente", afirma o médico. "Essa é a questão fundamental do aborto."
Varella
então levanta a pergunta: se a doação de órgãos em caso de inatividade
cerebral tem aceitação popular, por que a retirada de um feto igualmente
sem atividade cerebral é criticada?
Ele
dá o exemplo de uma menina que sofre um acidente de moto e tem morte
cerebral. "Ela pode, por lei, ter fígado, coração e rins retirados para
doação, porque seu sistema nervoso central não está mais funcionando. O
sistema nervoso central é o que determina a vida. Mas até o 3º trimestre
de gravidez, não há nenhuma possibilidade de arranjo do sistema nervoso
que se possa qualificar como atividade cerebral em qualquer nível, a
não ser neurônios tentando se conectar."
Drauzio
continua: "Muitos consideram que a vida humana começa no instante da
fecundação. Mas, por esse raciocínio, a então vida começa antes, porque o
espermatozoide é vivo e o óvulo também."
Religiosos e políticos
O médico faz críticas duras a quem argumenta contra o aborto a partir de princípios religiosos.
"O poder das igrejas católicas e evangélicas é absurdo", diz. "Mas não está certo a maioria impor sua vontade. Respeitar opiniões das minorias é parte da democracia. Tem que respeitar os outros, o modo dos outros de ver a vida."
À reportagem, Varella diz que discorda dos que culpam exclusivamente o governo pela epidemia.
"O
Estado brasileiro falha em muitos níveis. Mas não dá para colocar a
culpa toda no Estado, essa é uma visão muito passiva. Larga-se o pneu
com água armazenada, deixa-se a água acumular na calha... Esta culpa é
compartilhada, a sociedade tem uma fração importante nessa luta."
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