Setenta
e um anos e 17 dias depois da libertação do complexo de extermínio nazi
de Mauthausen-Gusen, na Áustria (5 de maio de 1945), um estado europeu
poderá ter um Presidente da República de extrema-direita neonazi, se se
confirmarem, domingo, as sondagens que oferecem a vitória a Norbert
Hofer, assumido anti-imigração e anti-europeu.
Ex-engenheiro
aeronáutico, 45 anos, Hofer é a cartada do Partido da Liberdade da
Áustria (FPÖ), que ganhou a primeira volta das presidenciais, em 24 de
abril, arrebatando 36,4% dos sufrágios e expulsando da corrida os
candidatos das duas forças que partilharam o poder desde o fim da II
Guerra Mundial - o Partido Social Democrata e o Partido Popular (cristão
conservador).
A
exceção nessa partilha, recorde-se, foi a surpreendente aliança entre
os conservadores e o FPÖ, em 1999, ainda com o polémico líder de então,
Joerg Haider (falecido em 2008 num acidente), que defendia a política da
Alemanha nazi, que anexara a Áustria em 13 de março de 1938. Foi o seu
discurso xenófobo e antieuropeu no governo que levou a União Europeia a
decretar, em 2000, sanções contra o país.
O problema da imigração
A
opção dos eleitores, explica a imprensa internacional, deve-se às
críticas aos partidos tradicionais e a crise dos refugiados que atingiu
também a Áustria, com mais de 100 mil pedidos de asilo. Apesar de o país
ter adotado medidas excessivamente restritivas da imigração, o ascenso
xenófobo entre os austríacos é evidente e o respaldo ao FPÖ pode ser
possível nas eleições legislativas de 2018.
Sem
o carisma do líder, Heinz-Christian Strache, Norbert Hofer era mais
conhecido por defender os interesses dos deficientes (ele próprio
locomove-se com dificuldade e usa cadeira de rodas), mas as posições
anti-imigração, anti-islâmica e anti-Europa são tais que ameaça demitir o
governo (social-democrata) se, sendo eleito, não concordar com as
ideias do executivo.
Professor
universitário, cientista económico e militante ecologista (saiu do
Partido Verde para concorrer como independente), o segundo candidato é
Alexander Van der Bellen, 72 anos, defensor claro da multiculturalidade
que a Áustria representa.
Num
recente debate televisivo, Van der Bellen explicou o tema de forma
cristalina, exemplificando com a composição da equipa nacional de
futebol para o Euro2016: "Metade dos jogadores são filhos de imigrantes.
Se tivéssemos seguido a sua política nos últimos 30 anos, não teríamos
agora uma seleção tão forte".
O
vídeo de abertura do sítio oficial de Van der Bellen mostra-o
ensimesmado, nalguns momentos atormentado, como se carregasse o Mundo
aos ombros e o fardo da responsabilidade do desfecho das eleições de
domingo.
Sinal "absolutamente terrível"
Se
Hofer e o FPÖ, que "tem uma clara ressonância neonazi", ganharem, "será
um péssimo sinal do que aí vem", incluindo o "Brexit", as eleições
presidenciais em França (2017) e o futuro da própria construção
europeia, adverte Viriato Soromenho Marques, regente de Filosofia Social
e Política e de História das Ideias na Europa Contemporânea na
Universidade de Lisboa.
Não
é que os britânicos que vão votar contra a permanência da Grã-Bretanha
na União Europeia, no referendo de 23 de junho, "sejam de
extrema-direita". Mas, com a eventual vitória do partido neonazi na
Áustria, o risco de Marine Le Pen (da Frente Nacional, aliada do FPÖ)
alcançar a presidência francesa e o provável efeito de contágio na
Europa, com a ascensão de formações idênticas, temem que se agudizem as
tensões na EU "por causa da união bancária, da má gestão da crise da
imigração, ou da capitulação da Europa perante Erdogan (presidente
turco)".
Uma
eventual vitória neonazi constituiria um "sinal de alerta absolutamente
terrível e, ou vai ser interpretado no sentido de acordar os espíritos
adormecidos, ou vai ter um efeito de contágio nos partidos de
extrema-direita eurocéptica", condidera Soromenho Marques.
Se
a Áustria "não produzirá um efeito sistémico", embora tenha "um papel
indicativo para o eleitorado", a subida de Marine de Le Pen ao poder em
França - este, sim, um país sistémico - com a saída da moeda única e
outras medidas gerará "um verdadeiro tsumani, com o recuo de muitos
investidores e a desagregação da união".
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