Documentário recém-lançado mostra última testemunha viva do que se passava em ministério.
"Não quebro o silêncio para limpar minha consciência", diz Brunhilde Pomsel, única testemunha viva do que ocorria no Ministério para Ilustração Pública e Propaganda de Adolf Hitler durante os anos do nazismo (1933-1945), o capítulo mais obscuro da história da Alemanha.
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Ela trabalhou na pasta por três anos, sob o comando de Joseph Goebbels, responsável pela propaganda nazista e braço direito do Führer.
A ex-secretária é figura central do documentário Ein deutsches Leben ("Uma vida alemã", em tradução livre), que estreou em junho no Festival de Cinema de Munique e exibido também no Filmfestival de Jerusalém e no Festival de Cinema Judeu de San Francisco.
"Conhecemos a senhora Pomsel por coincidência, enquanto pesquisávamos outra história", contaram Christian Krönes e Florian Weigensamer, dois dos quatro diretores do filme, ao canal alemão Deutsche Welle.
"Não era uma nazista ávida. Mas também não se importou (com o que o regime nazista fazia) e olhou para o outro lado. Nisso recai sua culpa", disse Weigensamer ao jornal americano The New York Times.
Mas o documentário não se concentra na responsabilidade particular de Pomsel.
Segundo os diretores, "em um momento em que o populismo de direita está no auge na Europa", eles querem que o filme seja uma lembrança da "capacidade da complacência e da negação do ser humano".
Uma capacidade que também fica evidente em uma entrevista dada por Pomsel ao jornal britânico The Guardian.
"Ver o filme é importante para mim, porque posso ver no espelho tudo o que fiz de ruim", disse a ex-secretária. "Ainda que isso não tenha sido mais que trabalhar no escritório de Goebbels."
O trabalho
Suas atribuições, como ela mesma conta, incluíam desde registrar as estatísticas de soldados nazistas mortos a exagerar o número de abusos sofridos por alemãs nas mãos de soldados do Exército Vermelho soviético.
Criada de acordo com os preceitos do dever prussiano, ela aprendeu a ser secretária com um advogado judeu e trabalhou também em uma emissora de rádio antes de chegar, em 1942, ao Ministério de Propaganda do governo nazista.
Para isso, ainda que diga que era "apolítica", teve de se filiar ao Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães - o partido nazista. "Por que não? Todo mundo fazia isso", afirmou no documentário.
Quando trabalhava para Goebbels, observou de perto o círculo de poder que rodeava Hitler. Ela descreve o ministro da Propaganda como "um cavalheiro, elegante e nobre", mas também um "ator" que, quando alguém tirava "sua máscara de homem culto e educado, ficava louco".
"Ficávamos sabendo quando chegava ao escritório, mas não voltávamos a vê-lo até a hora em que ia embora", relatou.
Ela diz que não sabia a que se dedicava exatamente o braço direito do Führer. Mas admite que tinha conhecimento da existência dos campos de concentração, apesar de alegar desconhecer na época sua função real.
Segundo ela, acreditava-se então que "não se queria que as pessoas fossem diretamente para a prisão, então, iam para os campos para serem reeducados".
"Ninguém poderia imaginar algo assim", disse, sobre o objetivo real de exterminar os judeus da Alemanha.
Pomsel assegura que as pessoas que trabalhavam para o regime nazista tinham certeza que os judeus "desaparecidos" haviam sido enviados para as aldeias dos Sudetos, nome da cadeia de montanhas na fronteira entre a República Tcheca, a Polônia e a Alemanha.
A versão oficial dava conta de que o objetivo seria repovoar aqueles territórios montanhosos da Europa oriental, naquele momento ocupados pelos nazistas. "Tudo era secreto, e, por isso, acreditamos. Era totalmente crível", disse ela.
Pomsel insiste que nem sequer sabia do ocorrido durante a "Noite dos Cristais", uma série de linchamentos e ataques contra estabelecimentos judeus ocorridos na noite de 9 para 10 de novembro de 1938.
Ignorância
Segundo ela, essa ignorância do estado real das coisas era generalizada na Alemanha nas décadas de 1930 a 1940. "Todo o país parecia estar sob a influência de um feitiço", afirmou.
Por isso, para a ex-secretária, as pessoas que dizem ter se rebelado contra o regime "podem até acreditar sinceramente nisso", mas ela acha que "a maioria não o teria feito".
Pomsel reconheceu no documentário que seu passado pesa sobre ela de certa forma. "Quando uma pessoa viveu uma época (...) e, no final, só pensou em si mesma, ela tem a consciência um pouco pesada", disse.
Mas esclareceu não se sentir culpada nem responsável pelas milhões de mortes causadas pelo regime.
Terminada a Segunda Guerra Mundial, Pomsel passou cinco anos em uma prisão soviética. "Fui tratada muito mal, e não tinha feito nada", afirmou.
"Não me considero culpada, a não ser que se culpasse todos os alemães por tornar possível que aquele governo chegasse ao poder", declarou em sua mensagem final.
"Não há justiça, não há Deus. Mas está claro que o diabo existe", concluiu.
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