Num livro que vai apresentar esta terça-feira na London School of Economics, Mervyn King prevê que o peso da dívida soberana na zona euro se tornará excessivo para ser consistente com a estabilidade política
JORGE NASCIMENTO RODRIGUES
O nível das dívidas públicas na zona euro requer um processo de integração que passe por reduções significativas que exigiriam a vontade política de alguns países em resgatar outros, o que poderá não ser exequível. Esse fardo poderá tornar-se demasiado grande para ser consistente com a estabilidade política na zona. O resultado será um colapso.
Em suma, é uma das teses que Mervyn King, governador do Banco de Inglaterra durante uma década, até julho de 2013, vai discutir esta terça-feira ao final da tarde em Londres, na London School of Economics. O tema faz parte do seu mais recente livro “The End of Alchemy: Money, Banking, and the Future of the Global Economy”, acabado de publicar pela editora Little, Brown, no Reino Unido, e que terá uma versão pela W. W. Norton que será lançada nos Estados Unidos a 21 de março.
“A União Monetária gerou um conflito entre uma elite centralizada, por um lado, e as forças da democracia a nível nacional, por outro. Isto é extraordinariamente perigoso”, refere King, que vaticina que os periféricos do euro acabarão por se cansar dos sacrifícios que terão de fazer para a permanência no euro. “O contra-argumento - que uma saída do euro levaria ao caos, provocaria a queda dos padrões de vida e prolongaria a incerteza sobre a sobrevivência da união monetária – tem verdadeiramente peso”, escreve o autor, para depois explicar o que provoca a “fadiga”: “Mas se a alternativa é uma austeridade que esmaga, a continuação de desemprego em massa e a ausência de fim à vista para o fardo da dívida, então a saída do euro pode ser a única forma de traçar uma rota de regresso ao crescimento e ao pleno emprego. Os benefícios a longo prazo superam os custos de curto prazo [da saída]”.
O problema passa pela Alemanha. “A tentativa de encontrar um meio termo não está a resultar. Um dia, os eleitores alemães podem rebelar-se contra as perdas que lhes são impostas pela necessidade de apoiar os seus irmãos mais fracos, e sem dúvida, então, a maneira mais fácil de dividir a zona euro seria a própria Alemanha sair dela", escreve King.
Semelhanças com os anos 30 do século XX
A obra do ex-governador, atualmente professor de Economia e Direito na Universidade de Nova Iorque e de Economia na London School of Economics, sobre o “fim da alquimia” não está focada na zona euro, aborda os desequilíbrios da economia e finança globais e o facto, na sua opinião, dos líderes mundiais não terem atacado as causas da última grande crise financeira de 2007 e 2008. King dirigiu o Banco de Inglaterra durante os anos da crise financeira.
O ex-governador encontra muitas semelhanças históricas com o período entre as duas guerras mundiais no século XX, quer no período da bolha anterior à Grande Depressão, quer depois, nos anos 1930, incluindo a dose de austeridade imposta em muitas partes da Europa para manter. agora, o euro, e, então, o padrão ouro.
“Se a próxima crise vai ser mais um colapso do nosso sistema económico e financeiro, ou se vai assumir a forma de um conflito político ou mesmo militar, é impossível dizer. Nem é inevitável. Mas só uma nova ordem mundial poderá impedir tal resultado. Esperemos que a pressão dos acontecimentos guie os estadistas”, conclui King.
O penhorista para todas as estações
Conclui, agora, que o dinheiro e a banca são as “partes mais defeituosas do sistema capitalista”, habituadas a uma dada “alquimia”. “Esta forma de alquimia não deve der banida, mas deve ser-lhe fixado um preço”, diz. Por isso, King avança com uma solução: "Os condutores têm de ter um seguro contra terceiros antes de poderem conduzir. Os bancos devem fazer o mesmo. Eles devem colocar uma boa parte dos seus ativos no Banco de Inglaterra, de modo a que, se as coisas derem para o torto, os depositantes possam ser pagos da noite para o dia. Deste modo, nenhuma corrida aos bancos ocorreria".
Ele fala de uma função "casa de penhores" para os bancos centrais, da necessidade de um "penhorista para todas as estações" (usa o acrônimo em inglês PFAS). Escreve King: “A essência de uma casa de penhores de sucesso é a vontade de emprestar a qualquer um contra colaterais extremamente valiosos. Em 2008, os bancos tinham muito poucos 'relógios de ouro' e abundavam os estragados, e os bancos centrais foram obrigados a emprestar contra colaterais inadequados, de modo a salvar o sistema. Antes da próxima crise, seria sensato certificar-se que o sistema bancário tem suficientes garantias de colaterais, incluindo reservas no banco central, para poder rapidamente usar os fundos para satisfazer a procura de depositantes em fuga e de credores que tenham decido não renovar o financiamento”.